O que torna uma pequena adaga mortal? Imagine o silêncio após o choque de espadas, o roçar metálico de uma cota e a respiração suspensa de dois combatentes. Nesse instante, uma lâmina curta e rígida pode decidir o destino: essa é a essência da adaga rondel, uma arma desenhada para contornar a proteção do adversário com estocadas precisas e impiedosas.

Neste artigo aprenderá porque a rondel se tornou uma ferramenta imprescindível durante a Baixa Idade Média, como a sua forma evoluiu até se adaptar ao combate com armadura, que técnicas históricas explicam a sua eficácia e que diferenças a separam de armas contemporâneas como o estilete. Também verá como as réplicas modernas reinterpretam este design para recriação e prática histórica.
A adaga rondel: evolução e marcos históricos
Antes de entrar em técnicas e construção, convém situar a rondel no tempo. A sua história não é a de uma moda passageira, mas sim a de uma resposta eficaz ao aparecimento de armaduras cada vez mais protetoras.
| Época | Evento |
|---|---|
| Finais do século XII — princípios do século XIII | |
| Origem | As adagas rondel aparecem na Europa, derivadas de tipos de adaga usados durante os séculos XII e XIII. |
| Até 1400 | |
| Antes de 1400 | A adaga rondel era de uso comum entre a classe camponesa, servindo como ferramenta e arma quotidiana. |
| Século XIV | |
| Início do século XIV | Período de crescente popularidade da adaga rondel na Europa, especialmente desde o começo do século. |
| Cerca de 1350 | A adaga rondel adota a sua forma distintiva em regiões como França, Inglaterra e Países Baixos. |
| 1358 | É mencionada no contexto da revolta camponesa da Jacquerie; algumas representações manuscritas podem ser posteriores. |
| 1380–1400 | Manuscritos deste período representam conflitos com armaduras e armas contemporâneas, mostrando adagas rondel em cenas bélicas. |
| Século XV | |
| Uso geral | Torna-se arma padrão para cavaleiros e ganha popularidade entre a emergente classe média (comerciantes e artesãos); século considerado um ponto alto do seu uso. |
| 1415 | Empregada na Batalha de Agincourt. |
| 1440–1460 | Os manuais de combate de Hans Talhoffer detalham múltiplas técnicas de luta com adagas rondel. |
| Por volta de 1448 | Miniaturas, como a de Girado de Rosselló, mostram comerciantes e artesãos a usar adagas rondel à cinta. |
| 1467 | O Thalhoffers-Fechtbuch inclui técnicas para o uso de adagas em combate próximo. |
| Finais do século XV (cerca de 1500) | Exemplares datados desta época aparecem em representações e documentos contemporâneos. |
| Século XVI | |
| Continuidade | A adaga rondel continua em uso durante o século XVI, embora já num contexto militar e civil diferente do medieval inicial. |
| Atualidade | |
| Reproduções e estudo | As réplicas modernas, usadas em recriação histórica e Artes Marciais Históricas Europeias (HEMA), costumam ser fabricadas com pontas arredondadas e lâminas sem fio por segurança. O design e a funcionalidade da adaga rondel continuam a ser objeto de investigação e aparecem na cultura popular. |
- Cronologia: chaves para recordar
-
- Origem: Finais do século XII e princípios do XIII.
- Expansão: Séculos XIV-XV, adotada por distintos estamentos.
- Manualística: Técnicas documentadas em tratados do século XV.
- Legado: Réplicas atuais para recriação e estudo.
Como é feita uma rondel: elementos e materiais
O design da rondel é pensado com um propósito muito concreto: concentrar a energia da estocada numa ponta extremamente rígida. Cada componente existe para assegurar que essa ponta chegue onde deve.
Lâmina e secção
A lâmina é curta em comparação com uma espada, mas notavelmente rígida. Frequentemente tem secção triangular ou lenticular muito reforçada em direção à ponta. Essa geometria evita a flexão ao impactar com superfícies duras como o aço de uma armadura.
Guarda-mão e pomo (os ‘rondeles’)
Os discos ou rodelas redondas na guarda e pomo servem a dois propósitos práticos: proteger a mão do portador e permitir uma aderência estável ao aplicar empurrão e torção. Também podem atuar como um travão para bloquear armas curtas durante a luta.
Cabo e bainha
Os cabos eram fabricados em madeira coberta com couro, e por vezes com incrustações ou fios decorativos. A bainha, normalmente de couro com reforços metálicos, devia permitir um acesso rápido em combate próximo.
Táticas e técnica: porque funcionava em combate com armadura
Em combates corpo a corpo com armadura completa, a luta não era elegante: eram empurrões, alavancas e estocadas em espaços específicos. A rondel brilhava nessa luta porque estava pensada para a estocada localizada.
- Objetivo: atinge as costuras, axilas, virilha e as juntas entre placas.
- Manobra: abrir uma fresta com a adaga usando alavanca ou aproveitar que o adversário está desequilibrado.
- Força concentrada: a secção rígida da lâmina transmite a força para a ponta, permitindo perfurar materiais que uma espada larga não conseguiria.
Técnicas descritas em tratados
Manualistas do século XV explicam diversas técnicas de adaga: agarres inversos, uso em combinação com a mão livre para criar aberturas, e como converter uma estocada em controlo do corpo inimigo. A rondel, pelo seu design, favorece movimentos de pulso e empurrões curtos, não varreduras longas.
Comparativo: Adaga Rondel vs Estilete
À primeira vista ambas parecem criadas para perfurar, mas a sua história e a sua anatomia diferem. A seguinte tabela sintetiza essas diferenças para entender porque coexistiram e para que se preferia cada uma.
| Característica | Adaga Rondel | Estilete |
|---|---|---|
| Origem temporal | Desde finais do século XII, difundida nos séculos XIV–XV | Define-se em meados do século XV, popular no XVI |
| Design da lâmina | Lâmina rígida, secção triangular ou lenticular, ponta robusta | Lâmina muito fina e alongada, ponta afiada e frequentemente mais flexível |
| Função principal | Perfurar juntas e pontos fracos de armadura em combate próximo | Perfuração precisa, também para ocultação e uso rápido |
| Utilizadores típicos | Cavaleiros, soldados e classe média emergente | Guardas, oficiais, pessoas que necessitavam de arma oculta ou leve |
| Contexto de combate | Combate corpo a corpo com armadura | Ambos os contextos: urbano, militar e defesa pessoal |
Materiais, forja e conservação
A rondel original era fruto de ferreiros que buscavam um equilíbrio entre dureza e tenacidade. Uma ponta demasiado quebradiça quebraria; uma lâmina demasiado mole dobraria ao tentar perfurar couro reforçado ou armaduras.
- Aço carbono: comum em lâminas históricas pela sua têmpera e manutenção.
- Tratamentos: temperado local na ponta para aumentar a penetração.
- Acabamentos: cabos de madeira, couro e adornos metálicos para refinar o aperto e a estética.
Usos civis e simbólicos
Longe de ser exclusiva dos campos de batalha, a rondel apareceu na cintura de comerciantes, artesãos e viajantes. Em contextos urbanos servia tanto como ferramenta de defesa pessoal como símbolo de status em determinadas latitudes e momentos históricos.
A rondel nas mãos da população
Para muitas pessoas, a rondel era uma peça quotidiana: pequena, acessível e eficaz. A sua presença denota que a cultura material medieval antecipava a necessidade de defesa pessoal em ambientes tanto rurais como urbanos.
Réplicas, recriação histórica e produtos relacionados
O interesse contemporâneo pela história viva e pelas Artes Marciais Históricas Europeias impulsionou o fabrico de réplicas. Estas mantêm a estética original mas adaptam a segurança para uso em recriação.
Ao avaliar réplicas deve-se atentar a: construção do espigão, rigidez da lâmina, tipo de aço e qualidade da bainha. As versões para HEMA ou eventos usam pontas arredondadas e lâminas sem fio, enquanto réplicas de exposição podem ter acabamentos mais refinados e pontas afiadas orientadas para colecionismo ou decoração.
Manutenção básica
Limpar a lâmina com óleo, verificar a integridade do espigão e manter a bainha afastada da humidade são cuidados básicos. Para réplicas com adornos, limpar com produtos apropriados de acordo com o material para preservar a aparência sem danificar o metal ou os revestimentos.
Casos práticos e exemplos históricos
A rondel aparece em fontes que descrevem lutas em espaços fechados ou no final de confrontos campais quando a distância entre oponentes se reduz. As ilustrações de batalhas e tratados de esgrima do século XV oferecem exemplos de como as técnicas de empurrão, alavanca e controlo eram aplicadas em conjunto com a adaga.
O que dizem os manuais
Tratados da época descrevem agarres alternativos, golpes de pulso e técnicas para aproveitar um peso corporal maior do que o do adversário. O objetivo não era ferir com cortes, mas sim incapacitar ou infligir feridas que obrigassem a solicitar resgate ou rendição no campo de batalha.
Perguntas frequentes
- A rondel era mortal? Sim. A sua capacidade de perfurar juntas e tecidos profundos tornava-a uma arma muito perigosa em mãos experientes.
- O seu uso era ensinado? Sim, manuais e mestres de armas detalham técnicas específicas, especialmente no século XV.
- Por que a lâmina não era afiada? A forma de usá-la priorizava a rigidez e a penetração; um fio excessivo não melhorava a sua função de estocada contra armaduras.

Através destas respostas fica clara a lógica que guiava o seu fabrico e uso: a rondel era uma solução precisa para um problema concreto.
A sua visão após a leitura
A adaga rondel não é apenas um objeto; é a evidência de como a engenharia armamentista se adapta à proteção que encontra pela frente. Desde a lâmina rígida até às rodelas da guarda e pomo, cada característica responde à mesma consigna: concentrar energia, controlar o corpo inimigo e vencer o combate no espaço mais íntimo.
Se se interessa pela história militar, pela reconversão de peças históricas em réplicas ou pelas técnicas de luta históricas, a rondel oferece um campo de estudo fascinante: prático, técnico e profundamente humano, porque em última análise fala de sobrevivência e destreza em situações-limite.








