Hoje em dia, ter um livro nas mãos é um ato quotidiano. Pode encontrá-lo em qualquer livraria, biblioteca ou mesmo no supermercado. Mas, alguma vez pensou como este objeto tão comum era diferente há séculos, especialmente durante a Idade Média? Naquela época, um livro não era simplesmente um objeto, mas uma verdadeira obra de arte, incrivelmente difícil e cara de produzir, reservada para alguns privilegiados. Acompanhe-nos nesta viagem para descobrir como eram feitos e o que representavam os livros na Idade Média.
Os Papiros: O Precursor dos Códices Medievais
Antes da era do pergaminho e da imprensa, o papiro foi o suporte principal para a escrita no mundo antigo. Embora o seu uso tenha diminuído na Idade Média, é fundamental entender o seu papel como precursor. Os papiros consistiam em várias folhas deste material, elaborado a partir da planta do papiro, que eram escritas e depois coladas uma à outra pelas bordas, até formar uma tira mais ou menos longa que era guardada enrolada. Estes rolos, conhecidos como volumes, eram a forma predominante de livro em civilizações como a egípcia, grega e romana.
A consulta de um rolo de papiro era um processo laborioso. Para ler, era preciso desenrolá-lo com uma mão e enrolá-lo com a outra, o que dificultava a busca de passagens específicas ou a anotação. No entanto, com a consolidação do Cristianismo, especialmente a partir do século IV, estendeu-se o uso de uma nova forma de livro: o códice, composto por folhas cosidas. As vantagens desta nova disposição dos textos eram evidentes, sobretudo quando era necessário consultar constantemente um texto, como a Bíblia ou os códigos de direito. Esta inovação marcou o início do que hoje reconhecemos como um livro.
O Pergaminho: A Pele que Guardava o Conhecimento
Com o aparecimento do códice, impôs-se o uso do pergaminho como material principal para a confeção das folhas, substituindo progressivamente o papiro. O pergaminho toma o seu nome da antiga cidade helenística de Pérgamo, na Ásia Menor. Uma lenda transmitida por Plínio, o Velho, conta-nos que foi lá que foi inventado, obrigados pela necessidade de um novo suporte de escrita depois que o Egito, monopolizador do papiro, interrompeu as suas exportações para aquele reino no século II a.C. Embora o seu uso se tenha popularizado na Idade Média, o fabrico deste material era um processo longo e meticuloso que podia levar semanas.
Como se Fabricava o Pergaminho? Uma Arte Laboriosa e Custosa
A elaboração do pergaminho era uma combinação de técnicas químicas, mecânicas e manuais, e as suas fases quase não mudaram desde a antiguidade clássica até ao Renascimento. Era uma arte laboriosa que exigia grande habilidade e paciência. Imagine os seguintes passos:
- Colheita e Conservação: Primeiro, obtinha-se a pele do animal (ovelhas, cabras ou bezerros), que devia estar em ótimas condições, sem rasgões ou imperfeições. Uma vez esfolada, limpava-se de restos de carne e sangue, e salgava-se para evitar a sua decomposição durante o armazenamento ou transporte.
 - Deslanagem e Encaladura: A pele salgada era imersa em banhos alcalinos de cal durante vários dias, um processo conhecido como “encaladura”. Isto soltava o pelo e separava as camadas dérmicas. Depois, a pele era raspada cuidadosamente com uma faca curva, chamada lunellum, para eliminar os pelos e o tecido subcutâneo. Este passo era crucial para obter uma superfície lisa e uniforme.
 - Esticamento e Secagem: Uma vez limpa, a pele era esticada sobre um bastidor de madeira, utilizando cordões ou ganchos para aplicar uma tensão constante enquanto secava. Esta etapa era vital, já que uma tensão irregular podia deformar ou rasgar a pele, comprometendo a qualidade do futuro pergaminho. A secagem lenta e sob tensão contribuía para a durabilidade do material.
 - Raspagem e Alisamento Final: Durante a secagem, realizava-se uma segunda raspagem mais fina para uniformizar a espessura e melhorar a textura, muitas vezes com lâminas finas ou pedra-pomes. Finalmente, a superfície era polida com giz e farinha ou uma pedra lisa, deixando-a pronta para a escrita. Este polimento final era o que dava ao pergaminho o seu característico toque suave e a sua capacidade de absorver a tinta sem que esta escorresse.
 
O pergaminho era um material vivo, com uma face do pelo mais rugosa e escura, e uma face da carne mais lisa e clara, preferida pelos copistas. A sua sensibilidade à humidade e à temperatura fazia com que os códices medievais necessitassem de capas grossas e fechos para manter as folhas no lugar e protegê-las das deformações. Era um material tão caro que podiam ser necessárias até 300 peles para um único manuscrito de grande formato, o que sublinha o imenso valor de cada livro medieval.
Por esta razão, o pergaminho era frequentemente reutilizado: os textos antigos eram raspados ou lavados para escrever por cima, dando origem aos “palimpsestos”. Estas valiosíssimas fontes permitiram a estudiosos modernos, graças a tecnologias como a fotografia multiespectral, recuperar textos clássicos perdidos, revelando camadas ocultas de conhecimento que de outro modo se teriam perdido para sempre. A existência de palimpsestos é um testemunho direto do valor e da escassez do pergaminho na Idade Média.
A Criação Artesanal: Das Penas às Iluminuras
Uma vez pronto o pergaminho, começava a verdadeira magia: a escrita e a decoração. O fabrico de um livro era uma obra artesanal única, que exigia um enorme tempo e esforço de múltiplos especialistas. Cada manuscrito medieval era escrito em folhas soltas que depois eram montadas para encadernar, e normalmente o copista escrevia apoiando as folhas nos joelhos e ao ar livre, no claustro do mosteiro, aproveitando a luz do dia.
Ferramentas e Tintas do Copista Medieval
- Penas: As canetas não existiam, então usavam-se penas de ave, principalmente de ganso ou cisne, pela sua robustez e flexibilidade. Estas penas eram amolecidas em água, secas e depois endurecidas com areia quente antes de serem cortadas e afiadas para a escrita. A ponta da pena era cortada em bisel para permitir traços finos e grossos, essenciais para a caligrafia medieval.
 - Tintas: A tinta preta, a mais comum, fabricava-se dissolvendo carvão vegetal (ou fuligem) com outros ingredientes como goma arábica (para que aderisse ao pergaminho) e água. Para os desenhos e as elaboradas miniaturas, criavam-se tintas coloridas a partir de uma vasta gama de vegetais e minerais, cada um com o seu próprio processo de preparação. Por exemplo, o azul obtinha-se do lápis-lazúli ou do anil, o vermelho do cinábrio ou da cochonilha, e o verde da malaquita ou do verdigrís.
 
O Processo de Escrita e Iluminação: Uma Arte Detalhada
A escrita devia ser clara e elegante, e cometer erros era um grande problema, já que não existia o corretor líquido. A única solução era raspar cuidadosamente o pergaminho com uma lâmina para eliminar o erro e voltar a escrever sobre ele, um processo que exigia grande destreza para não danificar o delicado suporte.
Para embelezar a leitura e tornar os textos mais atraentes, os livros costumavam incluir desenhos coloridos e letras capitais elaboradas, conhecidos como miniaturas ou iluminuras. Esta arte da iluminação era uma disciplina em si mesma, realizada por artistas especializados, os iluminadores. Para isso, utilizavam-se tintas de cores vibrantes e, frequentemente, metais preciosos como o ouro e a prata.
O processo do dourado implicava primeiro fazer um esboço detalhado do design. Depois, aplicava-se uma substância aderente, como uma mistura de gesso e cola animal (conhecida como bol), sobre a qual se colocava folha de ouro, uma camada extremamente fina deste metal precioso. Uma vez aderido, o ouro era brunido para lhe dar um brilho intenso. As demais cores eram aplicadas começando pelos tons mais suaves e depois os mais escuros, construindo camadas para dar profundidade e detalhe à ilustração. Cada miniatura era uma pequena obra de arte que complementava e enriquecia o texto.

A Encadernação: Proteção, Estética e Durabilidade
Finalmente, depois de todas as folhas estarem escritas e iluminadas, deviam coser-se e unir-se a uma capa que protegesse o interior da passagem do tempo e do uso. A encadernação era um processo crucial que garantia a durabilidade e a preservação do manuscrito. As capas, frequentemente de madeiras nobres como faia, olmo ou carvalho para livros litúrgicos ou de grande valor, podiam ser ricamente adornadas com relevos de marfim, prata cinzelada, ouro e incrustações de pedras preciosas, convertendo o livro num objeto de luxo e prestígio. Os manuscritos mais comuns eram revestidos de couro, que podia ser repuxado ou cinzelado com motivos decorativos.
Todo este processo, desde a preparação da pele até à encadernação final, podia levar facilmente um ou dois anos, e às vezes até mais para obras de grande envergadura ou com iluminuras muito detalhadas! Este investimento de tempo e recursos humanos e materiais explica o altíssimo valor de cada livro medieval.

Mosteiros e Universidades: Os Centros do Saber Medieval
Durante a Alta Idade Média, muitos mosteiros dedicaram-se intensamente à conservação e cópia de livros. Os monges especializavam-se nas diferentes partes do processo em locais conhecidos como scriptoria (escritórios), desde a criação do pergaminho até à escrita dos textos e à sua ilustração. Dezenas de pessoas podiam participar na criação de um único livro, trabalhando num ambiente de silêncio e dedicação. Estes mosteiros atuaram como verdadeiros faróis do conhecimento numa época de grande instabilidade.
Embora os monges tenham desempenhado um papel crucial na preservação de textos religiosos e algumas obras da antiguidade clássica, o seu objetivo principal nem sempre era a preservação cultural por si mesma, mas sim entender e difundir os textos religiosos, especialmente a Bíblia e os escritos dos Padres da Igreja. De facto, às vezes destruíam-se obras muito antigas para reutilizar o pergaminho, criando os mencionados palimpsestos, o que demonstra a primazia da necessidade sobre a conservação em certos momentos.
No entanto, no que diz respeito aos séculos XII e XIII, o mais relevante é que é precisamente entre ambos os séculos que o monopólio monástico na produção de livros chega ao fim. Nos três últimos séculos do período medieval não foram os monges, mas os profissionais leigos, que se ocuparam da produção de códices. A causa principal desta mudança está no nascimento e auge das universidades nas cidades europeias, como Paris, Bolonha ou Oxford.
Os estudantes e professores universitários necessitavam de livros em grandes quantidades e de diversas matérias (teologia, direito, medicina, filosofia), o que gerou uma procura sem precedentes. Esta procura universitária deu origem a um florescente comércio livreiro no século XIII, que passou para as mãos de oficinas urbanas profissionais. Estas oficinas, frequentemente organizadas em guildas, eram capazes de uma produção mais massiva e em série, alimentando as necessidades não só das universidades, mas também de um emergente estamento laico abastado, cada vez mais culto e com maior poder aquisitivo, que desejava possuir livros para o seu estudo pessoal ou simples prazer.
O Livro e a Sociedade Medieval: Um Objeto de Luxo e Poder
Devido à sua complexa produção e ao alto custo dos materiais, especialmente o pergaminho, os livros eram incrivelmente caros. Só os mais ricos e poderosos podiam aspirar a possuir alguns. Se na Idade Média tivesse tido mais de dez livros em sua casa, não só teria sido considerado uma pessoa muito sábia, mas também teria sido incrivelmente invejado, percebido como alguém muito abastado e de grande influência social. Os livros eram símbolos de estatuto, riqueza e acesso ao conhecimento.
A partir do século XIV, com o auge das cidades e a expansão do comércio, o papel, chegado à Europa através da cultura árabe (que o tinha aprendido da China), começou a difundir-se. Este novo material era uma alternativa muito mais económica e rápida de fabricar do que o pergaminho, o que contribuiu para uma maior produção e difusão de textos, embora o pergaminho continuasse a ser reservado para as edições de luxo e os documentos de grande importância legal ou religiosa.

Cada manuscrito medieval era escrito em folhas soltas que depois eram montadas para encadernar, e normalmente o copista escrevia apoiando as folhas nos joelhos e ao ar livre, no claustro do mosteiro, aproveitando a luz do dia. Esta imagem evoca-nos a paciência e a dedicação necessárias para cada exemplar.

Os livros eram muito distintos entre si, não só de conteúdo, mas de modo de apresentação do texto ou de estilo decorativo, dependiam fundamentalmente do destinatário da obra. Um livro para um rei ou um alto clérigo estaria ricamente iluminado e encadernado, enquanto um texto para um estudante poderia ser mais austero e funcional.

A causa da mudança na produção de livros está no nascimento das universidades; os estudantes precisam de livros, e a procura universitária dará origem a um comércio do livro no século XIII que passará para as mãos de oficinas urbanas profissionais, autores de uma produção massiva e em série que alimentará as necessidades não só desta, mas também de um emergente estamento laico abastado cada vez mais culto.

O livro na Idade Média em si é um objeto artesanal que requer alta qualificação e o concurso de vários especialistas e distintos materiais: pergaminho ou papel e tinta para escrevê-lo, pigmentos de distintas cores e folha de ouro para decorá-lo, corda, madeira, fio, couro e broches metálicos para encaderná-lo. Cada um destes elementos contribuía para a singularidade e o valor de cada manuscrito.

O Amanhecer de uma Nova Era: O Impacto da Imprensa
O pergaminho manteve-se em uso até bem entrado o século XVI, especialmente para documentos oficiais e de grande prestígio. No entanto, a invenção da imprensa de tipos móveis por Johannes Gutenberg por volta de 1440-1453 em Mogúncia, Alemanha, marcou o fim da era do manuscrito medieval e o começo da produção massiva de livros. Esta técnica estendeu-se rapidamente, chegando a Itália em 1465 e depois a toda a Europa.
Com a imprensa, o livro deixou de ser um objeto único e artesanal, reproduzido sob procura individual. O processo de cópia acelerou-se drasticamente, o que reduziu os custos de produção e, por sua vez, aumentou notavelmente a difusão dos livros. Por volta de 1510, a maior parte dos livros feitos na Europa eram já impressos, ou seja, feitos em imprensa.
Isto supôs uma revolução cultural, já que o conhecimento, antes restrito e controlado principalmente pela Igreja Católica e os monges, pôde expandir-se a um público muito mais amplo. A alfabetização recebeu um impulso sem precedentes, e a imprensa tornou-se uma ferramenta poderosa que desafiou os poderes absolutos (monarquias e igreja), que durante séculos tinham monopolizado o acesso ao saber. A difusão de ideias, a reforma religiosa, e o avanço científico viram-se enormemente facilitados por esta invenção.
Um Legado que Perdura: A Importância dos Livros Medievais
Os livros medievais são muito mais do que simples textos; são fragmentos de história que perduram. A sua resistência ao desgaste, juntamente com a proteção das encadernações e as condições controladas dos scriptoria monásticos e dos arquivos, permitiram que milhares de manuscritos sobrevivessem a guerras, catástrofes e à passagem implacável do tempo. Cada dobra, cada imperfeição na textura do pergaminho, cada traço de tinta, fala-nos do tempo, da matéria e da dedicação investida em preservar e transmitir o saber de uma época. São um testemunho incalculável da história humana, da evolução do pensamento e da mestria artesanal.
Estudar estes manuscritos não só nos permite conhecer o seu conteúdo textual, que abrange desde a teologia e a filosofia até à literatura, a história e a ciência, mas também compreender os métodos de produção, as técnicas artísticas e a vida quotidiana dos copistas, iluminadores e encadernadores que os fabricaram. Oferecem-nos uma janela única para a mentalidade, as crenças e as aspirações da sociedade medieval. O seu estudo é essencial para qualquer pessoa interessada na história, na cultura e na evolução do livro como objeto e como veículo do conhecimento.
					









