Na penumbra do navio de guerra, sobre o nevoeiro do fiorde, a silhueta de um guerreiro recorta-se contra o amanhecer: usa um capacete que não busca exibir, mas sim sobreviver. Essa imagem — ao mesmo tempo prática e simbólica — está mais perto da verdade histórica do que a caricatura de chifres que Hollywood e a cultura popular impuseram durante séculos. Aqui vais aprender o que sabemos com certeza sobre os capacetes vikings, como eram fabricados, que tipos existem segundo os achados arqueológicos e por que certos mitos perduram.
Da realidade ao mito: evolução do elmo viking
A seguinte cronologia recolhe os marcos arqueológicos, históricos e culturais que explicam a origem do mito e a reconstrução atual do elmo viking. Situá-la depois do “gancho” ajuda a entender como a perceção pública se foi afastando da evidência.
| Época | Evento |
|---|---|
| Idade do Bronze | |
| Elmo com hastes de Tundholm | Achado no sítio arqueológico de Tundholm (Dinamarca) de um elmo com hastes ou peças tipo “lurs”. A má interpretação deste achado por antiquários no século XIX foi decisiva para alimentar a crença de que os vikings usavam capacetes com chifres. |
| Período de Vendel (c. 550–800 d.C.) | |
| Origem dos “capacetes de óculos” (Vendel) | Período de origem dos denominados capacetes Vendel ou “de óculos”. O tipo de elmo a que pertence o Elmo de Gjermundbu tem raízes nesta tradição. |
| Era Viking (aprox. 793–1066 d.C.) | |
| Desenho e materiais dos capacetes vikings | Os elmos reais eram simples e funcionais: ferro forjado, formas arredondadas ou cónicas, protetores nasais e, em alguns casos, decorações em bronze que indicariam status. Existem também indícios de capacetes feitos com couro e tiras de pele. |
| Elmo de Gjermundbu (século X / cerca de 880 d.C.) | O único capacete viking completo e original encontrado até à data. Datado do século X (outras fontes situam-no por volta de 880 d.C.). Foi enterrado num túmulo em Gjermundbu, Ringerike (Noruega). Pertence ao tipo “capacetes de óculos” ou nórdicos de crista; existem cerca de 30 exemplares fragmentários desse tipo, mas apenas Gjermundbu está completo. |
| Outros achados afins | Conhecem-se capacetes ou restos semelhantes encontrados em Olomouc e São Venceslau (República Checa), Ostrów Lednicki (Polónia), e restos oxidados em Tjele (Dinamarca) e na ilha de Gotland (Suécia). |
| Representações contemporâneas | Inscrições em runas e ilustrações da época mostram capacetes simples, frequentemente com protetor nasal ou “óculos”. As fontes sugerem o uso também de materiais leves como couro; em geral, a iconografia contemporânea não apoia chifres. |
| Impraticabilidade dos chifres | A presença de chifres é considerada impraticável em combate (por exemplo, dificultam formações como o “muro de escudos”), o que reforça a rejeição do seu uso real por parte dos vikings. |
| Século XIX (Romantismo) | |
| Difusão do mito no Romantismo | O mito dos capacetes com chifres enraíza-se durante o século XIX. Ilustrações de Gustav Malmström (1820) para “A saga de Frithiof” representaram vikings com chifres para acentuar a ferocidade; o ciclo wagneriano “O anel do Nibelungo” também reforçou esta iconografia. O vocábulo “Vikingr” reaparece no Romantismo inglês como “viking”, gerando a conceção idealizada do viking moderno. |
| Século XX | |
| Filme “The Viking” (1928) | Exemplo precoce de cinema que utilizou a iconografia do capacete com chifres ou asas, contribuindo para a difusão popular do estereótipo. |
| Descoberta do Elmo de Gjermundbu (1943) | O achado num túmulo funerário em Gjermundbu (Noruega) fornece o único exemplar completo de elmo viking conhecido, crucial para o estudo do armamento real viking. |
| Filme “The Vikings” (1958) | Produção cinematográfica que popularizou ainda mais a imagem do viking com capacete cornudo ou alado na cultura de massas. |
| Cultura popular e banda desenhada (décadas centrais e finais do século XX) | Séries e tiras cómicas como “Vicky, o Viking” e “Hägar, o Horrível” (Hägar the Horrible, criada em 1973) consolidam a imagem do viking com capacete com chifres na imaginação popular. |
| Recriações mais críticas (finais do século XX) | Algumas produções cinematográficas posteriores, como “O Guerreiro Número 13” (finais do século XX), evitam os chifres nos elmos, embora possam incorrer noutros anacronismos. |
| Atualidade (Século XXI) | |
| Revisão académica e divulgativa | As investigações arqueológicas e históricas modernas continuam a desmentir o mito dos capacetes com chifres e a esclarecer as formas e materiais reais empregados pelos guerreiros nórdicos. |
| Televisão contemporânea | Séries como “Vikings” (estreada em 2013) mostram uma representação mais ajustada à evidência (evitando os chifres nos capacetes), embora mantenham certas licenças criativas e anacronismos noutros elementos. |
Como eram realmente: forma, materiais e funções
Os capacetes vikings que conhecemos pela arqueologia e pelas fontes são, acima de tudo, ferramentas de sobrevivência. O seu design priorizava a proteção do crânio, a visão e a respiração, não a ostentação. Em seguida, descrevem-se as características mais frequentes e a lógica por trás de cada elemento.
- Material: principalmente ferro para as peças rígidas; couro e tiras de pele para forros e fixações; em alguns casos, bronze para decoração.
- Formas: arredondadas ou cónicas para desviar impactos; capacetes de bandas (spangenhelme) montados com tiras; e modelos “de óculos” com proteção nasal e ocular.
- Proteções: protetor nasal (nasal), por vezes abas para as bochechas e, em raras ocasiões, placas reforçadas para a testa.
Tipos principais e a sua identificação
A classificação baseia-se no que foi apurado pelos achados e pela tipologia histórica. Em seguida, comparam-se os tipos que aparecem com mais frequência na literatura especializada.
| Tipo | Características | Período aproximado | Uso e contexto |
|---|---|---|---|
| Gjermundbu | Capacete de “óculos” completo com protetor nasal; ferro forjado, peças rebitadas. | Séculos IX–X | Provavelmente usado por combatentes de alto status; exemplo arqueológico único completo. |
| Spangenhelm (capacetes de bandas) | Construído com várias placas unidas por bandas metálicas; leve e reparável. | Séculos VI–X | Uso generalizado na Europa; boa relação proteção/peso. |
| Cónicos ou de uma só peça | Forjados numa só lâmina ou martelados em forma cónica para desviar golpes. | Séculos VII–X | Guerreiros que priorizavam robustez e simplicidade, fáceis de produzir. |
| Vendel / Capacete de “óculos” | Decorado, com guardas à volta dos olhos; influência antecedente do Gjermundbu. | Período de Vendel (c. 550–800) | Possível uso ceremonial ou pela elite; peças de alto valor simbólico. |
- Gjermundbu
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- Material: Ferro, rebites, por vezes forrado.
- Época: Séculos IX–X.
- Nível: Possível símbolo de alto escalão.
- Spangenhelm
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- Material: Placas unidas por bandas metálicas.
- Época: Séculos VI–X.
- Nível: Uso comum, prático e económico.
O grande mito dos chifres: origem e por que perdurou

A imagem dos vikings com capacetes cornudos não nasce da arqueologia, mas sim do Romantismo europeu e da reinterpretação artística do passado. Ilustrações, óperas e depois o cinema e a televisão criaram uma iconografia poderosa: os chifres simbolizavam ferocidade e o «primitivo» aos olhos do público moderno.
Por que é improvável o seu uso em combate? Porque adicionar chifres grandes a um capacete é uma má decisão tática: dificultam movimentos em formações fechadas, oferecem pontos aos quais o oponente pode agarrar-se e representam um peso e alavanca contraproducentes. Por isso, a evidência material e a lógica de combate descartam esta prática para a guerra quotidiana.
Achados chave: o Elmo de Gjermundbu e outros restos

Entre os escassos restos de elmos autênticos destaca o Elmo de Gjermundbu. Encontrado fragmentado e reconstruído, constitui a base mais sólida para entender a tipologia dos capacetes nórdicos tardios. Outros achados fragmentários complementam o panorama, mas são raros: a corrosão do ferro e as práticas funerárias limitam a sobrevivência do material.
O valor do Gjermundbu não é apenas o seu estado de conservação, mas os detalhes técnicos que revela: rebites, curvatura da cúpula, e as soluções de fixação internas. Estes detalhes permitem aos investigadores e artesãos modernos reproduzir modelos próximos aos originais com critérios funcionais e estéticos.
Contexto arqueológico e distribuição geográfica
Embora a maioria dos achados provenha da Escandinávia, restos afins apareceram em zonas tão remotas como a atual República Checa e Polónia. Isso reflete as rotas de viagem, comércio e conflito vikings e como a sua tecnologia de armamento se difundiu ou se adaptou localmente.
Construção, ferraria e decoração
Para compreender um capacete viking, é preciso imaginar a oficina do ferreiro: fogo, martelo e a mão experiente que dobra a chapa de ferro. O processo buscava o equilíbrio entre leveza e resistência. As técnicas incluem forjado de uma só peça, montagem por bandas (spangenhelm) e rebitagem de placas.
- Forjado e montagem: o spangenhelm permite reparações rápidas; a peça forjada numa só lâmina oferece maior integridade estrutural.
- Forros: couro e tecido amortecem o golpe e protegem contra a humidade; a cota de malha era frequentemente usada em conjunto com o elmo como proteção do pescoço e parte inferior da cabeça.
- Decoração: do bronze gravado aos revestimentos interiores, a ornamentação podia sinalizar status sem sacrificar funcionalidade.
Réplicas, recriação histórica e colecionismo
O interesse contemporâneo pelos capacetes vikings deu origem a uma indústria de réplicas que abrange desde peças decorativas até reproduções utilizáveis em recriações e combate cénico. A chave para distinguir entre uma réplica fiável e uma peça meramente ornamental está na fidelidade de materiais e técnicas.
A seguir, verás uma seleção aleatória de produtos relacionados com a categoria de capacetes vikings (réplicas e acessórios), pensada para te aproximar da variedade sem substituir uma leitura crítica de cada peça.
Distribuir imagens e descrições históricas junto a réplicas ajuda a entender por que certos elementos são meramente estéticos (como chifres ou embelezamentos exagerados) e outros replicam soluções reais (protetores nasais, rebites, forros).
Como avaliar a autenticidade de uma réplica
Se te atrai a reprodução para recriação ou exposição privada, avalia os seguintes critérios práticos e técnicos:
- Materiais: o ferro ou aço para a cúpula, couro no interior e rebites adequados são indícios de reprodução funcional.
- Técnica: prova se está rebitado ou soldado; a soldadura moderna pode desvirtuar a estética e o comportamento mecânico.
- Ergonomia: deve pesar e distribuir a carga como um capacete original para permitir o seu uso em representações ou combates ligeiros.
- Documentação: um bom fabricante ou artesão fornece referências históricas e fotografias do processo de produção.
Usos responsáveis de réplicas
As réplicas pensadas para recriação histórica devem ser empregadas com responsabilidade: limpeza adequada, verificação de rebites e forros, e uso em contextos seguros para evitar danos pessoais ou materiais. Uma réplica histórica serve para aprender, tocar e entender, mas não para substituir o estudo arqueológico.
Comparativa rápida: capacete histórico vs. capacete decorativo
| Aspeto | Capacete histórico (réplica funcional) | Capacete decorativo |
|---|---|---|
| Material | Aço/ferro, forro de couro | Latão, alumínio, acabamentos pintados |
| Técnica | Rebites, forjado, montado | Soldadura leve, peças moldadas |
| Ergonomia | Distribuição real do peso, pensado para uso | Pensado para exposição, muitas vezes desconfortável |
| Preço (indicativo) | Varia conforme a fidelidade e os materiais | Geralmente menor, mas menos realista |
- Capacete histórico (réplica funcional)
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- Uso: Recriações, exposições didáticas, treino cénico.
- Manutenção: Necessita de conservação do metal e do couro.
- Capacete decorativo
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- Uso: Decoração, fotografia, merchandising.
- Manutenção: Menos exigente, mas menor durabilidade.
Perguntas frequentes entre quem se aproxima da história viking
Será que os guerreiros eram enterrados com o seu capacete? Teriam todos capacete? Seriam caros? As respostas nem sempre são simples: o achado do Gjermundbu indica que alguns guerreiros de alto status foram enterrados com elmos, mas a escassez de restos sugere que nem todo combatente dispunha de um capacete. A tecnologia existia, mas a sua distribuição dependia do status social e económico.
Por que há tão poucos capacetes? Porque o ferro corrói-se e muitas peças foram reutilizadas. Além disso, as práticas funerárias variavam e, em muitas tumbas, o corpo era colocado sem equipamento ou com elementos perecíveis como couro e madeira.
Compreender estas limitações obriga-nos a ler cada achado com cautela e a não extrapolar um padrão universal a partir de peças isoladas.
Palavras finais para quem busca autenticidade
Se sentes a atração da história, busca sempre o equilíbrio entre rigor e emoção. Avalia as fontes, observa os detalhes técnicos e coloca cada objeto no seu contexto. Os capacetes vikings reais contam histórias de viagens, combates e hierarquias; as réplicas bem feitas permitem-nos tocá-las e entendê-las.
Depois de percorrer a cronologia, os tipos, os mitos e a técnica, trazes agora ferramentas para distinguir a lenda da evidência: assim se aprende de verdade a olhar o passado.










